[Centro da cidade, por
volta das 18:30, chuva forte. Imagens da cidade parada, únicos movimentos são
da chuva e das enxurradas. Câmera focaliza prédios e guias. Seguindo a enxurrada,
a câmera encontra pés parados na calçada e vai subindo e dando zoom out. Há um
rapaz brigando com um guarda chuva.]
Rapaz: - Abre, merda!
[O guarda chuva abre e
se rasga. O rapaz atira o guarda chuva longe e sai correndo. A câmera continua
parada enquanto o rapaz sai de quadro. Câmera volta a seguir a enxurrada e
encontra outros pés. Dessa vez de uma garota que anda tentando se proteger com
um Jornal. A água tira a tinta preta do jornal e escorre em pequenos fios pelo
rosto da garota. Câmera pára gradualmente e volta a filmar a enxurrada. Tela
fica preta e aparece o título "A Garota que Chorava Notícias"]
[Rapaz parado sob um
teto, câmera pega o corpo inteiro dele, mais o cenário. A garota chega andando
e pára ali também. Ela começa a tirar o excesso de água do corpo, mas não
adianta nada.]
Garota: - Que chuva, né?
Rapaz: - Hm...
[Assim que diz isso, rapaz começa a acenar com a cabeça
levemente]
Garota: - Quer rachar um táxi? Pra onde você vai?
Rapaz: - Não tenho
grana.
Garota: - Hm. Fuma?
[Câmera dá um zoom na
mão da garota, que tira uma arma do bolso e aponta para o rapaz. Câmera foca o
rosto do rapaz, assustado, e volta para a mão da garota que na verdade segura
um maço de cigarros quase vazio. Essa troca de focos deve ser feita sem
cortes.]
Rapaz: - Adoraria,
mas não.
Garota: - Certo.
Rapaz: - Hm...
[Rapaz recomeça o
aceno de cabeça. Segue alguns segundo de silêncio.]
Garota: - Por que você fica balançando a cabeça?
Rapaz: - Erm...
[Só então o rapaz
percebe que ainda acenava, e pára.]
Rapaz: - Nem percebi,
desculpe.
Garota: - Você não precisa me pedir desculpa! Você não me
deve satisfações!
Rapaz: - É...
Garota: - O que você faz?
Rapaz: - Escrevo,
desenho, toco...
Garota: - E trabalha em quê?
Rapaz: - Nisso mesmo.
Garota: - Hm. Eu sou produtora de eventos.
Rapaz: - Hm...
[Rapaz recomeça o
aceno, mas pára antes que a garota note. Mas ela nota e dá um discretíssimo
sorriso.]
Garota: - Você não é muito de falar, né?
Rapaz: - Tô pensando.
Garota: - Em quê?
Rapaz: - Nada
importante, besteiras minhas.
Garota: - Diz!
Rapaz: - Não.
Garota: - Fala logo!
Rapaz: - É... que...
eu nem te conheço... mas o... mas o modo como...
[Rapaz dá uma
inspirada profunda.]
Rapaz: - O modo como
a tinta preta do jornal escorre pelo seu rosto, desce pelo pescoço e foge pelo
seu decote... erm... nem tanto o decote... mas... desculpe, não pude evitar...
Garota: - Esquece isso.
[Garota segura sua
bolsa contra o busto.]
Garota: - Continua.
Rapaz: - Hm...
[Rapaz começa com o
aceno.]
Rapaz: - Você tá
linda. E eu sou tão estúpido.
[Rapaz acena por mais
um pouco e pára.]
Garota: - É a coisa mais linda que alguém já me disse.
Rapaz: - Hm... mas...
é que no fundo, bem no fundo, é triste.
Garota: - Triste? Por quê?
Rapaz: - Você parece
chorar. Chorar as notícias tristes do jornal.
Garota: - Mas... era um Pasquim!
[Rapaz recomeça o
aceno, e fica um silêncio desconcertante.]
Garota: - Desculpa.
[Garota limpa as
"lágrimas" negras do rosto.]
Rapaz: - Você não me
deve satisfações.
Garota: - Talvez deva.
Rapaz: - Não quero
que me deva.
[Rapaz sai andando na
chuva. Garota vai até o limite entre a proteção do teto e a chuva. A câmera
filma de trás de seus pés, no seco, em direção ao rapaz andando.]
Garota: - Onde você vai?
Rapaz: - Não sei. Vou
embora.
Garota: - Pra onde?
Rapaz: - Pra longe.
Garota: - Por quê?
[A voz dela cada vez
mais baixa. A câmera vai seguindo os passos de rapaz e vai mantendo a enxurrada
em quadro. Após
um tempo, ouve-se passos corridos, cada vez mais altos e próximos.]
Garota: - Pera!
Rapaz: - Que foi?
Garota: - Por que você tá bravo?
Rapaz: - Não tô
bravo.
Garota - Tá sim!
Rapaz: - Tá. Já leu
"O Pequeno Príncipe"?
Garota: - Sim.. mais ou menos, não lembro.
Rapaz: - Eu sou a
raposa. Lembra da raposa? Não quero ficar dependente de você.
[O casal pára num
abrigo de telefone público, daqueles duplos. Um em cada abrigo.]
Garota: - Vai ligar pra quem?
Rapaz: - Só tô
fugindo da chuva.
Garota: - Liga pra mim!
Rapaz: - Pra quê?
Você está aqui.
Garota: - Não agora, depois.
Rapaz: - Eu não
costumo fazer isso, mas, não sei se percebeu, estou fugindo de você. Por que eu
ligaria se estou querendo fugir?
Garota: - Não costuma fugir?
Rapaz: - Não. Não
costumo ser tão sincero com desconhecidos.
Garota: - Liga pra mim? Por favor.
Rapaz: - Por quê?
Garota: - Por que você me cativou.
Rapaz: - Azar o seu.
[Rapaz tenta ir embora
quando a garota o puxa para o abrigo dela. Eles quase se beijam.]
Garota: - Fica?
[Rapaz se afasta.]
Rapaz: - "Fica,
liga, fuma". Você fala demais.
Garota: - E você, de menos!
Rapaz: - Problema
meu, com licença.
[Rapaz se desvencilha
e saí andando. Acenando com a cabeça marcando passo. Olha para trás
constantemente, de certa forma implorando para que ela o siga de novo, mas
ninguém segue. Virando esquina após esquina, Rapaz pára de novo, no mesmo teto.
No chão, estão os pedaços de um Pasquim. Rapaz pega e começa a vasculhar.
Imagina um recado para ele, o telefone dela escrito, um cartão de visita, um
classificado circulado, um jogo de palavras cruzadas preenchido. Mas não há
nada. Nem o impresso original do jornal pode ser entendido.]
Garota: - Te achei! Voltei pra pegar meu jornal.
Rapaz: - Hm...
[Rapaz, de novo,
acena]
Rapaz: - Toma.
[Rapaz entrega o
jornal para a Garota, que não pega.]
Garota: - Você queria o que com ele?
Rapaz: - Proteção.
[Rapaz imagina
"proteção contra o mundo, algo que só alguém como você pode me dar"]
Rapaz: - Proteção
contra essa chuva.
Garota: - Eu divido com você se quiser.
Rapaz: - Não, não
quero.
Garota: - Não seja chato! Vamos logo! Eu moro logo ali, vem!
Rapaz: - Não vou.
Você nem sabe se eu sou um tarado!
Garota: - Se fosse, aí você arregalaria os olhos e diria
"Sua casa? Vamos!"
Rapaz: - Então...
[Rapaz arregala os
olhos.]
Rapaz: - Vamos?
Garota: - Vamos!
Rapaz: - Não porra!
Não vou!
Garota: - Tá. Então fica aí na chuva.
Rapaz: - Hm...
Garota: - Ah, que saber? Devolve meu Pasquim, tô cheia do
seu vazio!
[Rapaz devolve o
Pasquim dela. A câmera dá zoom out e mostra a mesma cena do início. A câmera
desce até a enxurrada e vai seguindo até alguma boca de lobo, onde a tela fica
preta e sobem os créditos.]
Terminado às 09:00 am do dia 30/05/2008